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Exoesqueletos: O Futuro Já Começou, Mas Ainda De Forma Incompleta

Exoesqueletos: o Futuro já começou, mas ainda de forma incompleta

Hudson Couto e Dennis Couto

Os exoesqueletos já são uma realidade no mundo do trabalho. Seja em propagandas de fabricantes, feiras e congressos de ergonomia ou em vídeos que circulam por Whatsapp e Facebook, os exoesqueletos já permeiam a imaginação, a curiosidade e os celulares dos profissionais de ergonomia no Brasil e mesmo lá fora, onde, vejam só: também são novidade.

Mas, o que é real e o que é “fake” sobre esses equipamentos?

Seriam a mais moderna solução para grande parte dos problemas ergonômicos das empresas, ou apenas muito barulho e deslumbramento por um benefício não muito claro? Como as empresas estão adotando os exoesqueletos em seus processos?

Na Ergo, já tivemos a oportunidade de lidar com exoesqueletos no Congresso Mundial de Ergonomia em Florença, no ano passado, e em um estudo que tivemos a grande oportunidade de fazer em uma grande montadora de automóveis.

Nessa pesquisa sem precedentes no Brasil, conseguimos monitorar em tempo real a atividade muscular de trabalhadores com e sem os exoesqueletos enquanto exerciam suas atividades normais de trabalho na linha de montagem. Os resultados, bem como nossas conclusões e opiniões sobre o uso dos exoesqueletos, estão neste informativo.

Ao final dele, convidamos você a também conhecer mais sobre o nosso curso regular de formação em Ergonomia, que já dura 36 anos, onde você poderá aprofundar ainda mais seus conhecimentos, inclusive sobre exoesqueletos.

Boa leitura.

INTRODUÇÃO: TIPOS DE EXOESQUELETOS

A introdução gradativa dos exoesqueletos no universo do trabalho manual vem ocorrendo de forma exponencial, já existindo um número significativo de fabricantes desses dispositivos.

Eles podem ser classificados em dois grandes grupos: ativos e passivos. Os ativos teriam como função aumentar a força do trabalhador ao realizar a atividade e sua utilização é promissora em inúmeras situações do cotidiano do trabalho, desde hospitais (para movimentação de pacientes) até estaleiros (para movimentação de peças de grande porte). Até o momento seu uso está restrito aos ambientes militares.

Comparação entre duas gerações distintas de exoesqueletos para apoio da coluna lombar: observe como o exoesqueleto da esquerda é mais pesado e ocupa mais espaço que o da direita, mais moderno.

Atualmente existem mais de 70 modelos disponíveis no mundo, sendo 64% deles para uso no meio médico-hospitalar na reabilitação de pacientes. Cerca de 29% são para uso no trabalho industrial.

Exoesqueletos passivos passaram a ser utilizados nos últimos anos, destacando-se três tipos:

(a) o de apoio dos ombros, cujo objetivo é reduzir o esforço estático de quem trabalha com os braços acima do nível dos ombros; (b) os de apoio da coluna lombar, cujo objetivo é reduzir o esforço estático dos músculos do dorso quando o trabalhador tem que se encurvar para executar a tarefa; (c) os de apoio semissentado, cujo objetivo é reduzir o esforço estático dos músculos da panturrilha. Exoesqueletos são citados com grande frequência nos meios de produção
atualmente, especialmente em linhas de montagem, fazendo parte de stands de congressos de ergonomia e de engenharia industrial, que os apresentam como grande novidade, sugerindo seu papel como eventual panaceia para as questões ergonômicas.

Deve o leitor ter claro que exoesqueletos não são robôs. Ele funciona à base de pequenos pistões, que facilitam o deslocamento da parte do corpo e, uma vez atingida a posição de trabalho, apoiam o segmento corporal, diminuindo o esforço. Devem estar bem ajustados para não criarem dificuldade no movimento contrário.

EXOESQUELETOS NA LITERATURA

A avaliação de exoesqueletos foi apresentada por alguns trabalhos técnicos no 20º Congresso da Associação Internacional de Ergonomia (IEA – International Ergonomics Association) em agosto de 2018, de cujos anais extraímos 3 trabalhos principais:

SPADA (2018) apresentou uma síntese do desenvolvimento do exoesqueleto de apoio de ombro pela empresa italiana Comau, na qual mostra as diversas etapas do processo, desde a ideia inicial até se tornar uma área de negócio daquela empresa. O modelo da Comau pesa 2,8 kg. Segundo esse estudo, o exoesqueleto foi usado em laboratório com 18 team leaders sadios e apresentou resultados positivos em 3 tipos de situações propostas: apoio dos ombros em atividades simples com os braços acima dos ombros; elevação de carga de 3,4 kg desde o nível dos mamilos até um nível acima do nível dos ombros; e no trabalho de escrita em quadro acima do nível dos ombros. No teste feito em campo, o exoesqueleto foi utilizado numa fábrica da Fiat, em posição embaixo do veículo e em outra posição na área de pintura, tendo sido bem aceito pelos indivíduos testados, mas não dá detalhes do método de avaliação utilizado.

MOTMANS e outros (2018), na Bélgica, fizeram a avaliação do exoesqueleto na atividade de romaneio de queijos (picking), utilizando exoesqueleto passivo com monitoramento eletromiográfico dos músculos do dorso (paravertebrais) e dos ombros (trapézios), obtendo pequenas reduções no potencial elétrico dos músculos e também redução insignificante no desvio postural. Apesar de ter havido relato positivo dos 10 trabalhadores envolvidos, os autores chegaram à conclusão de que esta não deve ser a única solução para reduzir os esforços.

STEVEN AMANDELS. e outros (também da Bélgica) relataram a experiência de encorajar 9 trabalhadores de um setor de prensas e tesouras de uma empresa de manufatura a usarem exoesqueleto passivo da marca Laevo modelo 2.4 (especificado para apoiar o peito e a coluna ao trabalhar inclinado para frente, agachando e carregando peso) durante 3 semanas, avaliando a tolerância e o potencial elétrico dos músculos com eletromiografia de superfície.

As tarefas foram cuidadosamente selecionadas, segundo a recomendação do fabricante. O potencial elétrico dos músculos foi maior com o uso do exoesqueleto, refletindo maior esforço para se encurvar.

Os trabalhadores o rejeitaram por alto desconforto e o pesquisador concluiu sua não-validade. Em nenhum dos trabalhos apresentados houve qualquer afirmação categórica quanto à redução de riscos ergonômicos, nem quanto a ser esse tipo de dispositivo um equipamento individual de proteção a ser utilizado largamente nas posições citadas.

NOSSA PESQUISA E NOSSA EXPERIÊNCIA

Fizemos o teste de um exoesqueleto passivo de ombros para uma indústria automobilística no Brasil, utilizando eletromiografia de 6 a 8 canais em duas posições de trabalho de montagem sob o automóvel.

Na avaliação estática, ou seja, sem realizar esforços, foi feita a comparação entre o potencial elétrico dos músculos dos membros superiores e da coluna sem e com o uso do exoesqueleto. Ele cumpriu o que prometia: a partir da abdução de 60 graus, houve redução do esforço dos músculos deltoides laterais entre 50 e 58% e dos músculos paravertebrais em torno de 50%, isso apesar do peso do dispositivo (4,6 kg).

Na avaliação dinâmica, foi medida a eficácia do exoesqueleto em dois postos de trabalho. Na atividade de inserção do conjunto de mangueiras de freio embaixo do veículo (ciclo de 60 segundos), um trabalhador experiente nessa tarefa e também acostumado com o exoesqueleto executou 15 ciclos sem o dispositivo e 13 com o exoesqueleto. A intensidade do esforço foi medida com eletromiógrafo de superfície de 6 canais, com medida dinâmica dos esforços do deltoide anterior direito e esquerdo, deltoide lateral direito e esquerdo e paravertebral direito e esquerdo. O exoesqueleto avaliado atendeu bem ao trabalho executado nesse posto, reduzindo entre 29% (média) a 42% (pico) o esforço do músculo deltoide lateral direito e um pouco menos do deltoide lateral esquerdo (8,3 a 10%). A avaliação positiva também foi referida pelo trabalhador.

Eficácia do exoesqueleto em avaliação estática. Na abdução de 170 graus, houve redução do esforço do músculo deltoide lateral em 58%, de 23% do deltoide anterior e de 75% no esforço da coluna.

Trabalhador executando atividade em montagem do sistema de freio na parte inferior do veículo usando exoesqueleto e tendo a atividade eletromiográfica medida por eletromiógrafo de 6 canais. Eficácia comprovada.

Eletromiografia de 6 canais registra on line as variações no potencial do músculo enquanto a webcam capta a atividade desenvolvida pelo trabalhador naquele exato momento.

Já em outro ciclo, onde havia ações dinâmicas com uso frequente de parafusadeira e tendo que levantar uma peça de até 9 kg para a montagem, o exoesqueleto, conforme era de se prever, não mostrou vantagens. Conhecemos também a experiência de uso dos exoesqueletos de outra grande montadora de automóveis no Brasil. Essa empresa, a princípio, mapeou 58 atividades na linha de montagem onde havia a possibilidade de aplicação dos exoesqueletos. Após análises mais rigorosas, apenas 9 dessas operações não podiam ser resolvidas com soluções de engenharia; ou seja, 49 situações tinham uma solução de engenharia mais eficiente do que os exoesqueletos. Esse exemplo nos mostra a importância de não pular etapas na análise ergonômica e de sempre tentar ao máximo esgotar todas as alternativas de engenharia antes de se partir para a aplicação dos exoesqueletos. Nessa empresa, instituiu-se um período de adaptação de 15 dias da musculatura do trabalhador para o uso definitivo do exoesqueleto. Se, após esse período, o trabalhador não tiver se adaptado ao uso do equipamento, ele é livre para não utilizá-lo.

CONCLUSÕES

Nossa conclusão coincide com a de outros pesquisadores e pode ser resumida da seguinte forma:

Como um recurso para se garantir segurança ergonômica nas operações, o exoesqueleto não tem esse potencial, uma vez que não basta reduzir o esforço, também tem-se que levar em conta a intensidade da força exercida e a taxa de saturação do ciclo de trabalho, conforme o critério atual proposto por Potvin e adotado pela ACGIH. Mas, com certeza, a redução do esforço estático é significativa.

♦ outro aspecto a ser destacado é que a eventual compressão do músculo supra espinhoso entre a cabeça do osso úmero e o acrômio não será reduzida pelo exoesqueleto, uma vez que se trata de um fenômeno decorrente da anatomia dessas estruturas.

♦ o exoesqueleto não é EPI e nem um recurso terapêutico.

♦ o exoesqueleto deve ser a última solução proposta para um problema ergonômico, após esgotadas todas as alternativas de solução de engenharia.

♦ o exoesqueleto não deve ser utilizado sem uma prévia análise ergonômica do trabalho.

♦ o exoesqueleto não deve ser concebido como solução de ergonomia na fase de projetos. Nessa fase, é possível prever soluções de engenharia mais eficazes.

♦ ainda não há ferramentas ergonômicas semiquantitativas capazes de englobar o uso do exoesqueleto e prover uma definição quanto ao risco ergonômico, sendo ainda a eletromiografia de superfície em tempo real a melhor opção para uma análise.

Como possível fonte de problema para a saúde do trabalhador,

♦ não percebemos qualquer tipo de possibilidade de lesão decorrente do uso do exoesqueleto testado.

♦ caso seu uso seja introduzido sem um bom contrato psicológico com os trabalhadores, pode ocorrer postura de rejeição, mesmo nas situações em que ele teria valor.

♦ é comum haver diferenças de adaptação dos trabalhadores entre diferentes turnos da empresa em uma mesma função.

♦ qualquer exoesqueleto deve ser bem analisado,  especialmente quanto a compressão de partes moles do corpo do trabalhador e quanto a criar dificuldades para movimentos naturais.

♦ até o momento, não foram registrados casos de fraqueza muscular em trabalhadores devido ao uso prolongado de exoesqueletos.

Como recurso individual ou coletivo,

♦ se for adotado, deve ter a característica individual, em função das regulagens, que não são tão fáceis.

♦ é necessário um tempo mínimo de treinamento de uma semana, com uso aumentado do dispositivo ao longo dos dias.

♦ é recomendado que o treinamento no uso desse tipo de dispositivo seja acompanhado pelo pessoal de ergonomia da empresa.

♦ o exoesqueleto não deve ser “vendido” para a gerência da empresa como solução para aumento de produtividade, e, sim, para aumento do conforto do trabalhador.

Fechamento

O exoesqueleto passivo para posição semissentada apresenta valor nas situações em que o trabalhador necessita realizar uma atividade em posição de cócoras durante um tempo prolongado, a partir de 1 minuto (exemplo: pintura na lateral de um carro).

Seu uso não é recomendado caso o trabalhador alterne entre posição agachada e de pé frequentemente. Também deve-se observar que seu uso é incompatível com pisos gradeados, calçados lisos, subir e descer escadas ou em situações de emergência, em que o trabalhador precise correr.

O exoesqueleto passivo de ombros é uma vestimenta de valor na redução de esforços quando predominam atividades estáticas acima do nível dos ombros. Seu valor é questionável quando há predomínio de ações dinâmicas, especialmente quando existem esforços de alta intensidade. Sua instituição deverá sempre ser acompanhada quanto a eventuais efeitos colaterais, mas não acreditamos que existam quando for possível garantir ajuste individualizado da vestimenta ao trabalhador, precedido de um bom contrato psicológico.

Para que seu uso possa garantir segurança ergonômica nas operações, é necessário comparar a intensidade final do esforço com a duração da exigência no ciclo.

O ergonomista e fisioterapeuta de Belo Horizonte Izonel Fajardo, especialista em exoesqueletos, ainda acrescenta as seguintes observações quanto à implantação dos exoesqueletos em empresas:

“primeiramente, esses equipamentos só podem entrar nos postos de trabalho após terem sido esgotados todos os recursos de engenharia e as possíveis melhorias na organização do trabalho. Se após essa análise os problemas ergonômicos persistirem, o exoesqueleto pode ser uma solução a ser testada. Antes do teste é fundamental a realização de uma avaliação da biomecânica do trabalhador, pois isso permite a localização de síndrome de dominância muscular, frouxidão ligamentar ou pré disposição de lesões. Sem essa análise a saúde do trabalhador estará em risco. Além disso essa avaliação deve ser repetida uma vez por mês garantindo que o trabalhador não tenha nenhuma alteração biomecânica após o uso contínuo.

Para garantir a segurança do usuário e das pessoas em volta é adequado fazer uma análise de risco ao incorporar os exoesqueletos ao ambiente de trabalho. O ergonomista associado à equipe de engenharia de segurança, deve avaliar se existe um potencial risco de acidentes, como por exemplo, risco de agarramento do exoesqueleto em algum equipamento. E por último, recomendo a aplicação de uma avaliação de desconforto feita durante 15 dias, período de adaptação da musculatura e de reprogramação da memória muscular. Essa avaliação deve ser aplicada por um profissional de ergonomia sendo feita no início, meio e final da jornada de trabalho, o foco é verificar se o equipamento está trazendo algum desconforto ao trabalhador. Outro ponto importante é informar ao trabalhador que ele poderá desistir do teste quando achar necessário e nunca impor o projeto a ele, pois isso irá quebrar a parceria dificultando o projeto. Seguindo esses passos, o projeto tem 84% de chance de sucesso. “

Izonel Fajardo
Ergonomista e Fisioterapeuta

REFERÊNCIAS

ACGIH TLV for UPPER LIMB LOCALIZED FATIGUE, ACGIH (Proposto em 2015 e adotado em 2016)
Amandels, S. e cols – Introduction and testing of a passive exoskeleton in a industrial working environment
– IEA 2018- Proceedings- Vol III, p. 387-392
COUTO, H.A.- Índice TOR-TOM 2ª. Ed.; 25 Aplicações Práticas na Análise Ergonômica, na Avaliação do
Risco Ergonômico, na Prescrição de Ações Corretivas e no Gerenciamento da Produtividade Segura. Belo
Horizonte: Ergo, 2012, 359 p.
COUTO,H.A. Ergonomia do Corpo e do Cérebro no Trabalho, Belo Horizonte, Ergo, 2014, 535 p.
Motmans, R.T. Debaets, and S. Chrispeels – Effect of a passive exoskeleton on muscle activity and posture
during order picking. IEA 2018- Proceedings- Vol III, p. 338-346
NIOSH, Selected topics in surface electromyography for use in the occupational setting: expert
perspectives, março de 1992
Potvin, J.R., Predicting maximum acceptable efforts for repetitive tasks: An equation based on duty cycle.
Human Factors 54(2):175-188 (2012)

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